Será que utilizamos gaiolas realmente adequadas para nossos ratos?
- Fanratics
- 19 de mar. de 2021
- 5 min de leitura
Hoje vamos quebrar alguns conceitos errôneos que são ditos a tanto tempo que quase se tornaram "verdade"...
Felizmente, temos a ciência do nosso lado desmistificando e ajudando a fazer o certo para nossos amados ratos.
Você conhece os hábitos das ratazanas (rattus norvegicus - nossos twisters)? Será que uma gaiola alta é melhor para eles do que uma gaiola com bastante espaço térreo? Você já disse isso às pessoas?
As vezes dizemos e apoiamos informações sem evidências científicas devido ao fato de "sempre ser assim" ou "todo mundo faz assim e diz isso, então, deve estar certo". Esta matéria irá ajudar a fundamentar e mudar para a forma correta as informações que você possui sobre gaiolas eliminando do seu conhecimento sobre ratos as evidências anedóticas em prol de evidências científicas.
Conhecendo os hábitos do rattus norvegicus x rattus rattus
Proprietários, grupos e até mesmo criadores experientes (deixo aqui a "mea culpa") costumam dizer aos novos tutores que adquiram uma gaiola alta para seus ratos escalarem. Será que as ratazanas, em vida livre, escalam mesmo?
A capacidade de escalar não é relacionada com a preferência de escalar.
Para isso, vamos primeiramente analisar a diferença entre o rattus norvegicus e o rattus rattus e com isso, conseguiremos entender o porque as ratazanas não devem ser forçadas a escalar.
Os rattus rattus, também chamados de ratos de árvore, ou ratos de telhado são animais arborícolas, ou seja, vivem em árvores e locais altos, descendo ao solo apenas para buscar alimento e água. São excelentes escaladores e não é nada incomum ver eles correndo tranquilamente por fios elétricos em locais com infestações. Morfologicamente, possuem corpo bastante alongado e cauda preênsil que o ajuda a escalar e se segurar.
Os rattus norvegicus são terrestres, embora possuam pouca capacidade de escalar, não são bons escaladores, podendo se machucar gravemente caso caiam. Eles possuem características fossoriais, pois cavam e vivem preferencialmente abaixo do solo, saindo a noite para caçar e correr. Seu raio de ação territorial é curto, de aproximadamente 50 metros. Morfologicamente possuem o corpo robusto e pesado e nenhuma característica de escalada, nem absolutamente nada que apoie sua necessidade de uma gaiola alta.
O estudo:
A bastante tempo eu venho me perguntando o porque utilizar gaiolas altas para rato twister, sendo que eles são animais que preferem muito mais uma caixa de escavação do que cordas na gaiola.
E cada vez mais eu vejo casos de ratos que caem e se machucam gravemente na gaiola, batendo nos andares, na queda. Muitos ficam paraplégicos ou até chegam a falecer. Isso fez acender uma luz em minha cabeça e pesquisar se realmente estamos oferecendo um ambiente adequado e seguro as necessidades dos ratos, e a resposta foi NÃO! Estamos fazendo tudo errado!!!
Pesquisando, descobri uma pesquisa científica que me ajuda a fundamentar este pensamento que vem me incomodando a bastante tempo. Esta pesquisa compara o comportamento espacial do rato - horizontal x vertical, e conclui que a preferência do rato twister foi sempre pelo espaço horizontal, nas questões de forrageamento (busca e a exploração de recursos alimentares), rota e desvio. A preferência por rotas horizontais pode estar ligada ao desconto de esforço temporal. Contra fatos, não há argumentos, não é verdade?
Para o estudo foram utilizados 20 ratos machos entre 2 e 9 meses em ambiente controlado. Foi feito um ambiente de escalada com pegboard e um labirinto horizontal. Foram realizados diversos testes que colocarei o link para quem queira comparar e analisar todos os testes que foram feitos. Eu irei apenas comentar os resultados.
Resultados:
O estudo tratava do movimento preferencial para a busca de alimento, considerando suas rotas e criando dificuldades e desvios. Foi constatado que o rato twister, quando possui opção, prefere se mover horizontalmente.
Em todos os 4 experimentos realizados, os ratos sempre se moviam horizontalmente em busca de alimentos, terminando um nível inteiro antes de passar para o próximo e preferindo rotas mais fáceis para atingirem suas metas primeiro. Eles só mudavam para o segmento vertical, caso o horizontal fosse custoso demais para eles em questão do "custo energético" para seguir primeiro a rota horizontal.
Uma explicação para isso, pode ser que os ratos preferem se mover horizontalmente pois este é o plano em que os órgãos sensoriais e locomotores são orientados, facilitando a percepção sensorial e a locomoção no plano horizontal.
O estudo concluiu que havia três razões principais para os ratos terem preferência pelo plano horizontal.
• 01 - uma estratégia de camadas minimiza os movimentos verticais de alta energia;
• 02 - os ratos preferem atrasar a escalada o máximo possível, potencialmente uma manifestação de redução temporal do esforço;
• 03 - como a codificação neural de altura é grosseira e com poucas informações, organizar os movimentos em torno do plano horizontal é computacionalmente menos custoso.
Quebrando o mito "gaiolas altas são melhores":
Conforme constatado na pesquisa, os ratos preferem atrasar sua escalada o máximo possível, na tentativa de ter um esforço menor, optando sempre por uma estratégia de camadas, ou seja, retirar os andares de sua gaiola e encher apenas com objetos que o forcem a escalar é ir contra o comportamento natural dos ratos, obrigando-os a terem um comportamento diferente do natural, gerando esforço e estresse desnecessário (e muitas vezes acidentes graves). Você pode - e deve - ter estes objetos na gaiola, desde que os ratos possuam uma alternativa que não os obrigue a utilizar apenas aquele caminho.
Como são animais com características fossoriais e preferem organizar seus movimentos de forma horizontal, ao escolher uma gaiola, prefira as que possuem grande espaço horizontal, uma gaiola larga e comprida, de preferência com uma bandeja alta onde você consiga colocar uma camada alta de forração e que ofereça espaço horizontal adequado.
A altura da gaiola também deve ser considerada, sim, ela deve permitir que o rato fique livremente sobre seus pés e sejam acrescentados enriquecimento ambiental conforme comentado em outras matérias, mas 60cm de altura para uma gaiola larga e comprida são suficientes (pode utilizar a calculadora normalmente, ela ainda servirá para este parâmetros). A profundidade da gaiola continua sendo de no mínimo 40 cm, não é para colocar os ratos em um corredor estreito e claustrofóbico.
Dizer que os ratos não usarão uma gaiola alta, caso vivam em uma pode ser errado. Se forem forçados, irão viver, mas as reclamações de "meu rato não utiliza toda a gaiola" e "meu rato faz cocô aonde está" podem ser explicadas por este artigo. Os ratos, como vimos, comportamentalmente, evitam o gasto desnecessário de energia e realmente não ficarão subindo e descendo caso não exista uma necessidade real. Eles não terão suas necessidades básicas atendidas, como ocorre com gaiolas mais horizontais.
Argumentos como "meus ratos são felizes nas gaiolas altas e preferem as redes superiores" é tão ridículo como afirmar que "meu rato vive sozinho e é feliz". Na posse responsável, a necessidade básica comportamental dos animais não deveriam ser ignoradas pelo ego do proprietário e pela relutância da pessoa admitir que estava errada. Todo mundo erra, e devido estes erros, temos a oportunidade de aprender, evoluir e crescer como ser humano.
Edit.: Me perguntaram o porque dos ratos ficarem na parte mais alta da gaiola, já que preferem se movimentar na horizontal. Isso é bastante simples de se explicar. No Brasil, não temos gaiolas que atendam as características fossoriais dos ratos. As gaiolas, não possuem uma bandeja alta com forração para que possam cavar e se esconder. Outra coisa que podemos observar, é que os tutores sempre colocam tocas e casinhas sempre nas partes altas da gaiola e não no térreo, então, como não podem se enterrar, irão buscar locais onde possam se esconder e encontrarão estes locais nos pontos mais altos da gaiola. Ou seja, a base da gaiola, para os ratos, não é um ambiente seguro. Ali por perto passam predadores (cães e gatos que os tutores tenham em casa) e não possui um esconderijo ou rota de fuga. Neste caso, eles apelam para a verticalização.
Fonte do estudo: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3157560/